Mais anacrônico do que estrear um blog em 2023, só inaugurando o espaço com um post sobre um retorno ao Flickr. Espero usar esse espaço como um lugar para organizar os pensamentos e compartilhá-los sem a lógica fragmentária, estridente e algorítmica das redes sociais. Se alguém chegar por aqui e isso aqui virar algum tipo de conversa, já valeu a pena.
Os começos
Em 2003, eu cursava a disciplina de Fotografia em minha primeira faculdade, onde aprendi os princípios básicos de como funciona uma câmera. Foi quando também tive uma breve passagem como monitor do estúdio e do laboratório de revelação do curso. Após algum tempo brincando com as câmeras analógicas da faculdade e com a câmera digital compacta limitadíssima que sempre levava na mochila, em 2007 comprei minha primeira DSLR de entrada.
Desde então, nesses 20 anos, minha relação com a fotografia nunca mudou: sempre foi a de um curioso que nunca teve pretensões de que ela fosse mais do que diversão – mas que me empenhava muito em aprender e a experimentar coisas diferentes. Foram períodos de intensa produção, intercalados com intervalos de pouquíssimos cliques e, de alguma forma, as mudanças em meu olhar, meus interesses, meus conhecimentos foram sendo registrados pelas diferentes câmeras e equipamentos que passaram pela minha mão.
Gostar de fotografia e trabalhar com internet na segunda metade dos anos 2000 tinha algo especial: o mundo inteiro estava empolgadíssimo com a tal Web 2.0 e suas plataformas que permitiriam que as pessoas produzissem, compartilhassem e discutissem seus conteúdos. Entre os serviços de blogs, fóruns e protótipos de redes sociais que nasciam naquele período estava o Flickr – que combinava uma vitrine de fotografias e fotógrafos a serem descobertos, um serviço de hospedagem de fotos em alta resolução (com recursos diversos para organização e compartilhamento de álbuns e coleções), ferramentas sociais para seguir/interagir com contatos, e comunidades que permitiam o compartilhamento de imagens e trocas de conhecimento sobre o assunto em fóruns temáticos. Além de todas essas funcionalidades, quem estava aprendendo ainda tinha acesso aos metadados que revelavam com que câmera, lente, modo de disparo, velocidade, abertura, ISO foi tirada cada foto.
As mudanças
Não demorou muito para que tudo mudasse: a rápida evolução dos smartphones tornaram a fotografia cotidiana algo trivial; para a maioria das pessoas, sempre fez mais sentido postar fotos onde todas as interações com familiares e amigos já aconteciam (como o Facebook) do que colocar em um lugar dedicado ao assunto; mesmo antes de ser comprado pelo Facebook, o Instagram surfou na onda da popularização dos smartphones e fez sucesso com uma interface ridiculamente simples, que permitia a qualquer pessoa fotografar, aplicar filtros, compartilhar, acompanhar o feed e interagir com as pessoas com pouquíssimos cliques. As imagens só podiam ser vistas em baixa resolução e numa telinha minúscula, só apareciam em linha do tempo (sem a possibilidade de organizar em álbuns), não revelavam metadados.
A lógica hegemônica da internet também é outra. A liberdade de escolher conteúdos a serem seguidos foi limitada por algoritmos que determinam o alcance das postagens mediante pagamento ou conforme o tipo de engajamento que cada postagem ou perfil produz. Álbuns pessoais passaram a ir automaticamente para serviços de backup em nuvem, numa lógica de acesso privado. Já os sites voltados exclusivamente a fotografia que surgiram são totalmente voltados para abocanhar comissões na oferta de conteúdos para bancos de imagens comerciais – o que, naturalmente, os torna refratários a conteúdos experimentais, amadores ou não comerciais.
No próprio Instagram, não há espaço favorável ao aprendizado e à troca de conhecimento. A dinâmica se assemelha a um camelódromo, onde a lógica é apenas vender. Todos os fotógrafos estão anunciando – seus serviços, seu portfólio, seus cursos, seus presets e, urgh, seus NFTs. Nesse intervalo, o Flickr seguiu funcionando, mas parado no tempo: mudou de donos algumas vezes (passando por gestões bem questionáveis), teve repaginações superficiais e insuficientes na interface web e no aplicativo, tentou mudanças para estimular o aumento da base de usuários pagantes, mas a imensa maioria de usuários existentes provavelmente abandonou para sempre suas contas.
Os retornos
No longo período de distanciamento social durante a pandemia, voltei a me aproximar da fotografia. Como não podia sair para fotografar, aproveitei o tempo para aprender um pouco mais sobre técnicas de edição, e para revisitar as dezenas de milhares de fotos guardadas em meu catálogo: rever as fotos uma a uma; identificar, a partir de meu olhar hoje, de quais eu continuo gostando, de quais passei a gostar e de quais não gosto mais; e refazer os cortes, ajustes e tratamentos com base em meus conhecimentos atuais. A vontade era de postar no Flickr, mas era muito deprimente ver que praticamente todo mundo que eu seguia não estava mais lá, assim como quem me seguia. As dezenas de comunidades de que eu participava estavam às traças, com vários anos sem nenhuma nova postagem. Então, na falta de outro lugar para postar, apaguei todas minhas postagens antigas e transformei meu Instagram no lugar onde essas “novas” imagens seriam publicadas.
Nesse período, além do Instagram, também frequentei muito o YouTube (com tutoriais e perfis dedicados à discussão de fotografia), e o Reddit (com comunidades discutindo em formato de fórum), mas sentia falta de um serviço que concentrasse tudo isso. Na verdade, em meio à nostalgia da revisão de décadas de fotografias, também estava nostálgico de quando o Flickr era o lugar natural pra onde elas iam. Foi então, numa conversa no Reddit com outros órfãos dos tempos áureos do Flickr, que alguém lançou: “se vocês gostam tanto do Flickr, usem o Flickr! Quase ninguém das antigas permanece por lá, mas o site ainda existe, as funcionalidades ainda existem, e ainda tem muita gente lá!”.
Pois então, há algumas semanas estou experimentando um retorno. O primeiro passo foi tirar o aspecto de casa abandonada, deixando de seguir absolutamente todos os perfis que eu seguia antes. O mesmo aconteceu com as comunidades: saí de todas. Apaguei todas minhas imagens antigas para liberar espaço, e decidi subir apenas fotos tiradas a partir desse ano. Passei, então, a fuçar no menu “explore”, observando o que me chama a atenção entre as fotos recentes. Invariavelmente, prevalece um mar de imagens desinteressantes, mas eu estou em busca das coisas que me chamam a atenção e um pensamento de “quero ver mais disso”. Quase sempre, ao visitar os perfis dos autores, descubro pessoas muito interessantes, com uma produção ótima e que, pasmem, postam ativamente no Flickr! Em 2023! Aos poucos, minha tela inicial vai deixando de ser um site moribundo que ninguém mais acessa, e vai se tornando um lugar agradável, onde dá vontade de voltar, ver as fotos, aprender e se inspirar com elas.